Los Hermanos - Ventura (2003)
Vou assumir o risco de falar de uma das bandas mais legais e originais do rock nacional. Começaram com um disco daqueles que as pessoas que curtem o som da banda hoje passaram longe; porém, após tomar o controle de sua própria carreira, os ventos começaram a mudar de direção. Ir de "Anna Júlia" até "Samba a dois", passando por "Sentimental", não é apenas uma evolução, mais uma revolução. E quem acompanha a história dos Los Hermanos entende muito bem o que estou dizendo.
A verdade é que ninguém sabe de onde apareceu a tal da Anna Júlia. De repente era só ligar o rádio - AM ou FM - em qualquer estação, e lá estava ela, aquela que não queria mais o amor do pobre cantor. Furor total, Los Hermanos era a banda mais amada de dez entre dez garotinhas de quinze anos. Muito embora o disco de estréia da banda ("Los Hermanos" - 1999) tivesse algumas boas músicas, era só Anna Júlia para baixo e para cima. E, acreditem, esse é um dos piores infernos que um banda pode viver.
Sabendo disso, a banda carioca resolveu se trancafiar num sítio (Sítio Remanso), em Petrópolis no Rio de Janeiro, e começar a rascunhar o tão aguardado segundo disco. Mudanças aconteceram: saiu Patrick, baixista da banda, o grupo se uniu mais e poucos meses depois "Bloco do eu sozinho" (2002) estava nas prateleiras das lojas. Decepções para as pessoas que esperavam encontrar uma "Anna Julia II" ou qualquer outro nome de garota, tão má quanto a primeira; porém orgasmos para os críticos e apreciadores de plantão. "Bloco do eu sozinho" se consagrou como um dos álbuns mais criativos dos últimos tempos do rock nacional, muito embora sua execução nas rádios tenha sido um fracasso se comparado ao álbum anterior.
Passados quatro anos de "Los Hermanos", em 2003 chegou a nós o disco "Ventura", o terceiro da carreia da banda. Concebido e gravado da mesma maneira que "Bloco...", "Ventura" foi a consagração definitiva dos Hermanos como uma das melhores bandas do rock brasileiro. Criativos, cativantes, inteligentes: não foram poucos os adjetivos que receberam de críticos, fãs, etc. E não é para menos. "Ventura" é um disco singular. Ao ser ouvido, ele cria um atmosfera toda particular, onde sentimentos variados são apresentados e esmiuçados aos ouvintes. Metafísico demais? Se não acredita, faça o teste. Pequenas pérolas surgirão a cada faixa.
Logo na primeira faixa ouvimos um samba. A faixa "Samba a dois" começa com a frase "Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba", exatamente por isso: quem se atreve a dizer que um samba não pode ter guitarras - pergunte a Jorge Ben Jor -, ou não ter alguma percussão além da bateria? Na seqüência temos "O vencedor" e "Ta bom", ambas de Marcelo Camelo, que promete entrar para a galera dos melhores compositores da música brasileira. Não longe dele em qualidade, tampouco menos original, está Rodrigo Amarante, responsável pelas faixas "Último romance", "Do sétimo andar", "O velho e o moço", "deixa o verão" e "Um par". Já no "Bloco" Amarante possui algumas composições ("Retrato pra Iaiá", "Sentimental", "Cher Antoine"), mas em "Ventura", além de um número maior de letras, vemos um Amarante mais maduro, mais livre em busca de novos meios de dizer o que quer, da maneira que quer. A beleza de suas composições é exatamente essa, dizer as coisas de uma maneira tão pessoal e sincera que muitas vezes chega a ficar quase sem sentido.
Mais "Ventura": "A outra", onde Camelo usa o eu-lírico feminino, lembrando muito umas das características mais marcantes de Chico Buarque; "Cara estranho", o primeiro single do disco e (pasmem!) tocada nas rádios mesmo sem ter um refrão; a singela "Além do que se vê", dedicada a mãe de Camelo e "De onde vem a calma", música que se no disco já é capaz de arrepiar, no show é impossível conter as lágrimas, mesmo para os machões de plantão.
Com "Ventura", a banda se firmou entre os grandes nomes da música nacional - se é que isso ainda existe. É claro que a vendagem desse disco não chegou ao número alcançado pelo primeiro, mas conseguiu algo muito mais gratificante: um público fiel. Mesmo as pessoas que torceram um pouco o nariz para o "Bloco" devido ao
debut "Los Hermanos", se rederam ao "Ventura". Talvez o grupo não alcance nunca mais as cifras que alcançaram logo na estréia, mas sempre terá aqueles que conquistaram logo após.
Além de fãs e apreciadores que abraçaram o "Ventura" como um dos melhores frutos do rock nacional nos últimos tempos, existem nesse contexto o mercado alternativo. Por um instante, não houve como não classificar os Los Hermanos como alternativos. Indo contra o mercado fonográfico optando por dois discos capazes de matar qualquer carreira, não há "alternativo" que não idolatre esses quatro cariocas. Entretanto, assim como nós, o quarteto logo sacou que o mercado alternativo é permeado de preconceitos. Cair nesse rótulo era uma maneira fácil de perder a liberdade por eles conquistada. Por isso, quando chamados de alternativos, eles apenas respondiam que faziam o que gostava, e nada além disso.
E que assim continuem.