domingo, janeiro 16, 2005

Especial - Série Cinema

Vários - Lost in Translation (2003 - trilha sonora)



Quando gostamos de um filme é quase inevitável gostarmos de sua trilha sonora, mesmo que esta não contenha nada de especial. Quantas não foram as músicas que entraram em sua lista de músicas especiais, pois estavam naquele filme que, com certeza, está em sua lista de filmes especiais? Muitas, aposto. Como também aposto que poucas vezes aquele CD de trilha sonora chamou sua atenção nas prateleiras, mesmo quando em promoção. Há, sim, aquelas músicas marcantes, mas quase nunca são capazes de combater aquele raciocínio no qual são encontradas várias justificativas que convencem ser o preço muito acima do que pagaríamos numa trilha sonora.

Acontece que para toda regra existe uma exceção. E, em se tratando de trilhas sonoras, uma exceção pode garantir um dos melhores CDs do gênero no ano. Presente em dez de cada dez listas de melhores filmes de 2004, "Lost in Translation" ("Encontros e Desencontros"), de Sofia Coppola, não apenas merece as honras de melhor filme do ano, mas de melhor trilha sonora também. Sobre o filme, tenho a mesma sensação que Holden Caulfield, de "O apanhador no Campo de centeio", quando lê um bom livro: querer ser amigo do autor. No caso, queria ser amigo da Sofia. Não apenas pelo filme, ou pela escolha de Bill Murray, ou pela sutileza com a qual conta uma história como a do filme, mas por ter colocado em um mesmo disco (e filme) "Jesus and Mary Chain", "My Bloody Valentine", o próprio "Kevin Shields" solo, e outras tantas pessoas legais que raciocínio nenhum seria capaz de me livrar da trilha sonora de "Lost in Translation".

A história pode parecer clichê, afinal, o quê poderia render o encontro de uma garota na crise dos vinte com um homem na crise da meia idade em Tóquio? Por isso, o ponto a ser observado não é a história que está sendo contada, mas como ela é contada, e aqui, "Lost in Translation" se transforma num filme apaixonante. Para aficionados por música, o estrago é ainda maior. A atmosfera na qual se desenvolve o filme, muito embora não pareça, deve muito às canções que vão sendo inseridas ao longo da película, mesmo sendo muitas delas utilizadas apenas para preencher espaços sem diálogos. O filme é equilibrado em todos os aspectos, de tal maneira que se, por ventura, algumas das músicas escolhidas não pudesse ser utilizada, teríamos um desfalque considerável. É claro que tudo ficou mais fácil por não serem figurões da música mundial escalados para esta trilha, entretanto, é pelo mesmo motivo que as músicas se adaptam ao filme de maneira tão fácil.

"My Bloody Valentine" é uma das bandas mais conhecidas do mundo alternativo. Liderada por Kevin Shields, a banda guarda em si uma das histórias mais míticas da história do pop britânico, seja pelas bandas que influenciou ou pelo terceiro disco que nunca foi lançado. Fato é que, depois de pequenas contribuições nos trabalhos de Primal Scream e Mogwai, Shields - o responsável por nunca ter terminado as guitarras do terceiro disco, impedindo, assim, seu lançamento - colaborou com a trilha de "Lost in Translation" com nada menos do que quatro canções ("City Girl", "Goodbye", "Ikebana" e "Are You Awake?"), além de "Sometimes", música do disco "Loveless" de 1991 do "My Bloody Valentine". Ou seja, só por este motivo a trilha já é indispensável, mas não pára por aqui.

"Alone in Kyoto", do dueto Francês Air, é uma das melhores faixas instrumentais que fazem parte deste disco. Apesar de não surpreender em nada, pois a trilha de "The Virgin Suicides", primeiro longa dirigido por Sofia, foi feita inteiramente pelo Air, o dueto mostra por qual motivo é um dos preferidos de Coppola. Há também "Girl", do Death in Vegas, um projeto de estúdio criado por Richard Fearless que já esteve ao lado de nomes como Chemical Brothers; "Too Young" da banda francesa Phoenix está, com certeza, entre as melhores músicas não só deste disco, mas do filme também. O golpe final é a última faixa: "Just Like Honey", da cultuada banda de Glasgow "The Jesus and Mary Chain". Quando formada em meados da década de 1980 pelos irmãos Reid, a banda prometeu, mas estourou no que diz respeito ao público. Entretanto, se tornou em lenda no meio alternativo, influenciando toda uma geração da música britânica e mundial.

"Lost in Translation", caso fosse eu um daqueles loucos por listas de melhores do ano, com certeza estaria em primeiro lugar dos filmes lançados ano passado. Já sua trilha sonora, não apenas por seus nomes, mas principalmente por sua qualidade, está agora entre meus discos favoritos. E não houve raciocínio que me fizesse mudar de idéia. Muito pelo contrário, não há raciocínio que resista frente a um disco como este. Isto, é claro, sem contar a surpresa que vem minutos após o término da última faixa.

(Ainda não assistiu ao filme? Então corra a uma locadora e pegue o DVD, pois o bônus vale o preço da locação. Mas, antes de sair da frente do computador, dê um pulo no WideScreen e entenda por quais motivos os Coppolas acumulam estatuetas do Oscar.)