domingo, janeiro 23, 2005

Esta semana:

Gram - Gram (2004)



Quando uma banda ou um artista traz um certo tipo de inovação ao seu meio, conseqüentemente vemos surgir milhares de seguidores, admiradores ou mesmo plagiadores. Nada mal, afinal, é assim que funciona o sistema, e sempre há entre esses seguidores alguém capaz de partir da mesma base, mas traçar caminhos diferentes. Quando, em 1999, o Los Hermanos encheu a paciência de todos com a tal de "Anna Júlia" foram poucos que viram ali algo novo. Um pop direto, já visto e revisto milhares de vezes, nos quatro continentes. Entretanto, quando eles resolveram lançar "O Bloco do eu Sozinho" e "Ventura", a coisa começou a mudar. A partir deste momento eles se tornaram a banda que trouxe a inovação, e não sem tempo começaram a pipocar seguidores Brasil à fora.

Ainda há de aparecer muitas bandas que não fazem mais do que copiar o que ouvimos das barbas de Camelo e Amarante, assim como também irão surgir aqueles que, de alguma maneira, buscarão outras possibilidades, mesmo que a princípio sua base tenha sido a banda carioca Los Hermanos - à partir do segundo disco, é claro. Na verdade, estes que "irão surgir" já começam a despontar no cenário nacional, e um dos nomes que caem com uma luva aqui é o Gram, banda paulista formada por Sérgio Guilherme Filho (voz, guitarra, piano), Luiz Ribalta (guitarra, voz), Marcello Pagotto (baixo, sintetizador, voz), Marco Loschiavo (guitarra) e Fernando Falvo (bateria) em 2002. Mesmo que exista ali muita coisa que pode-se classificar como influência de Los Hermanos, a diferenciação básica entre estas bandas - e o que faz o Gram entrar no hall das bandas que seguem caminhos alternativos ao que já existe - é que o Gram possui influências de Beatles e rock inglês de uma maneira geral, enquanto a matéria-prima dos Hermanos é o samba.

Não sem querer os Beatles entram nas influências do Gram. Antes de formar a banda, Sérgio Filho e Marcello Pagotto faziam parte de uma banda cover chamada "The Beatless" que, entre outras façanhas, tocou no Cavern Club, aquele mesmo onde o Fab4 começou a carreira. Algum tempo depois, o "Beatless" deu lugar ao "Movsa", na qual, agora com o guitarrista Luiz Ribalta, o intuito era composições próprias cantadas em inglês. A banda chegou a lançar um disco no exterior, mais precisamente em Liverpool, mas não vingou, fato que gerou uma reformulação na proposta do Mosva. A primeira resolução foi, sem dúvida, cantar em português; a segunda, mudar o nome da banda. A escolha do no GRAM foi devido apenas a sua sonoridade, não significando nada em português (segundo a própria banda, em alemão, Gram significa tristeza, desilusão, mas a escolha foi antes desta informação ser descoberta).

Destas resoluções nasceu, então, "Gram", o primeiro disco da banda que, depois de conquistar Kid Vinil, chegou a gravadora Deckdisc que não teve muito trabalho - afinal, o disco estava pronto -, cuidando apenas da distribuição e divulgação do trabalho da banda paulista que não demorou a ser considerada uma das melhores do mercado independente. Tudo ficou mais fácil ainda com o clipe praticamente caseiro feito pela própria banda para a canção que abre o disco, "Você pode ir na janela". A história do gatinho - que é meio que símbolo da banda - que se apaixona pela gatinha e tira seis de suas sete vidas, mas depois se desilude, é capaz de agradar desde seu sobrinho de oito anos até sua avó. Ou seja, "Gram" agarrou um público sedento por coisas novas de maneira certeira.

O rock britânico é a tônica deste trabalho, e talvez por isso agrade tanto com seu som leve, letras ora tristes, ora mais tristes ainda e arranjos pop infalíveis. As guitarras do Coldplay são facilmente encontradas em faixas como "Sonho bom" e "Moonshine" - sendo está espólio do Mosva, por isso cantada em inglês; as lições pop ensinadas pelos Beatles percorrem todo este disco, mas se mostram agudas nas faixas "Quase ilusão" e "Sonho bom". Cruzando o Atlântico e aportando nas terras do tio Sam, encontramos Weezer nos primeiros momentos de "Quase ilusão" e Radiohead em "Vem Você"; e descendo a América até o Rio de Janeiro, vemos Los Hermanos não apenas na composição das letras, mas em canções como "Você pode ir na janela", "Vem você" - estas no estilo, tanto de cantar como de compor, de Amarante -, "Seu troféu" e "Reinvento" - pendendo mais a Marcelo Camelo.

Mas é claro que estes nomes todos servem apenas como referência. A mais interessante (e diferencial) característica do Gram em relação as outras dezenas de bandas novas é exatamente partir de pontos já descobertos ou inventados por outros artistas e criar sua própria personalidade, mesmo que esta conte com nomes universais como os Beatles. E vale lembrar, um bom álbum de estréia rende bons frutos, mas deixa a expectativa para o próximo. Entretanto, é cedo para pensar nisso, a escada é longa e nada melhor do que um passo de cada vez. "Gram" está aí, e ainda há muitos degraus a subir.