domingo, fevereiro 06, 2005

Esta semana:

Os Paralamas do Sucesso - Os Grãos (1991)



"Os Grãos" é, com certeza, um dos discos mais desconhecidos dos Paralamas do Sucesso. E razões para isso não faltam. Seja pela economia do país na época ou pela estranheza causada pelo álbum aos fãs do som mais conhecido da banda, o problema é que um bom disco como este passa longe das prateleiras dos fãs menos persistentes, e, muito embora digam o contrário, esta é uma perda considerável. Neste álbum encontramos um Paralamas que poucas vezes vimos após este trabalho, e esta é sua caracterísca mais importante. Entretanto, indo mais a fundo no álbum, encontramos muito mais do que mero experimentalismo.

O trio estava no fim da turnê do disco "Big Bang" (lançado em 1989) quando lançou o disco "Arquivo" (22 de Dezembro de 1990), esticando a turnê para o incrível número de 120 shows. E exatamente por este excessivo número de shows, quando perguntado sobre o próximo álbum, Herbert respondia que ele seria literalmente de estúdio, lançando mão de todas as possibilidades que isto pode trazer. Indo além, por vezes ele afirmou que o disco poderia ser levado para um lado mais experimental, diferentemente do dois discos anteriores. Com a turnê encerrada, os Paralamas se trancam no estúdio com o produtor Liminha e só saíram de lá em meados de 1991, com "Os Grãos" debaixo do braço. Todas as previsões das entrevistas de Herbert se confirmaram, e do grande público que acompanhava a banda, apenas uma parcela aprovou este novo trabalho, distante de tudo o que a banda havia apresentado até então.

Discussões e repercussões à parte, o disco é um dos mais interessantes da carreira da banda. A primeira faixa - "Tribunal de bar" - é uma mistura até certo ponto exagerada de samplers e outros sons que ecoavam pela cabeça de Herbert. Na verdade, a maior parte da crítica na época, além de descer a lenha no disco, disse que este era um disco de Vianna, tendo Bi e Barone como músicos de apoio. O disco continua com "Sábado", uma música sobre o tema "coração-quebrado" no estilo Paralamas que já conhecemos. "Tendo a lua" é uma das melhores composições do trabalho: letra simples, e o arranjo, que por mais experimental que possa ser, passa a atmosfera da música, singela, quase confessional. (Uma curiosidade: a frase mais bonita da faixa - "O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu" - não é de Herbert, mas estava num dos bilhetes que ele de fato jogou fora, como conta a música).

Outras faixas que chamam a atenção no restante do disco são: "Carro velho", que possui uma levada "Olodum" - já trazendo ao público a recém nascida "Axé music" - e, segundo o cantor, teve como inspiração a música "Used cars", de Bruce Springsteen no disco Nebraska; "Vai valer" é uma composição feita à partir de colagem de frases, estilo popularizado por Carlinhos Brown e encontrada na discografia dos Paralamas em músicas como "Cagaço" ("Severino" - 1994) e "Uma brasileira" ("Vamo batê lata" - 1995); "Trac Trac" - é uma cover do argentino Fito Paez, que serviu como porta de entrada ao mercado latino; "A outra rota", balada violão/piano que possui uma das letras mais bonitas do disco; e, fechando o disco, "Trinta anos", música sobre o tempo e sobre a passagem de Herbert aos trinta.

Nem é preciso dizer que este é um dos discos que menos vendeu (100 mil cópias, ganhando apenas de "Severino" - 55 mil cópias) em toda a carreira do trio. Não há como culpar o período político, a crítica ou o experimentalismo da banda, pois todos contribuíram um pouco para que tal coisa acontecesse. Entretanto, "Os grãos" é um dos mais curiosos trabalhos da banda, mostrando um Paralamas que você já conhece de um jeito que você nunca viu. De certa maneira, justiça para com o disco foi feita pela banda quando incluiu no set do Acústico MTV as faixas "Tendo a lua" e "Vai valer". Por isso, deixe de lado a preguiça ou o medo e escute "Os grãos", faixa a faixa. Talvez soe estranho numa primeira vez, mas continue, pois aí sim, "vai valer, então, vai valer".