domingo, fevereiro 13, 2005

Esta semana:

The Arcade Fire - Funeral (2004)



Nos primeiros momentos são os aspectos teatrais que chamam a atenção em "Funeral", álbum de estréia da banda canadense "The Arcade Fire". Não apenas na performance, mas principalmente pelas histórias contadas em algumas músicas, que nos dá a sensação de estarmos frente a um palco onde atores encenam pequenas peças. Entretanto, após as inevitáveis repetições do disco, outras características marcantes do som do grupo são percebidas, e aquela primeira impressão dá lugar a algo maior e mais tocante. O pop é por excelência catártico, mas este "Funeral" consegue ir além, e, por incrível que pareça, apenas propõe problemas, mas não os resolvem - mesmo sendo a resolução o mais esperado por grande parte do público que, acostumado com um produto final redondo, talvez estranhe um pouco este trabalho.

Formado pelo casal Win Butler e Régine Chassagne, além de Richard Parry, Tim Kingsbury e William Butler, "The Arcade Fire" é mais uma banda que se une ao batalhão cada vez maior chamado "novo rock", no qual nomes como Strokes, Franz Ferdinand e White Stripes podem ser colocados na linha de frente. Lançando mão de texturas que se assemelham tanto a novata Interpol quanto o experiente Echo & The Bunnymen, a banda não poupa instrumentos ao longo das dez músicas que compõe este álbum de estréia, marcado pela morte de parentes dos integrantes durante a produção, e não por acaso intitulado "Funeral".

A maioria das músicas extrapola algumas obviedades pop e buscam não apenas sons diferentes, mas melodias complexas e situações imprevisíveis. Grande parte delas tem como característica o fato de serem crescentes, ou seja, começam tranqüilas, com vocais graves e contidos, mas ao se desenrolarem tornam-se enormemente poderosas, fazendo com que os vocais de Win Butler, antes tímidos, dominem o ambiente. "Neighborhood #1 (Tunnels)" é um exemplo desta característica, assim como "Crown of Love", na qual o tal crescente aparece na união entre o instrumental e a voz, e o desfecho é tão inesperado que no mesmo instante em que quase tira o encanto da música, causa uma estranheza apaixonante.

Entretanto, são nas canções mais calmas que percebemos a capacidade criativa da banda. Há uma enchente de instrumentos e sons que, longe de se confundirem, criam a atmosfera exata para que as vozes de Win Butler e Régine Chassagne arrebatam os ouvintes. "Une Annee Sans Lumiere", cantada parte em inglês, parte em francês, é tão capaz de emocionar com sua leveza pop quase hipnótica quanto "Neighborhood #4 (7 Kettles)", igualmente construída sobre um violão simples e criativo. "In the Backseat", faixa que fecha o trabalho, é uma peça única. Cantada por Régine, a sutileza da voz nos primeiros minutos carrega a música até seu ápice, no qual violinos, guitarras e vocalizações não pedem licença para derrubar aquela lágrima que ficou presa durante os quase cinqüenta minutos de "Funeral".

À parte o lado musical, são as letras o ponto chamativo. Por trás das melodias, da voz sinceramente aguda de Win Butler e dos backing vocals de Régine Chanssagne, esconde-se uma proposição interessante. Este não é um disco de respostas. Muito pelo contrário, propõe perguntas e questionamentos sobre os mais diversos assuntos, sempre nos colocando em situações contraditórias, e nunca indica uma conclusão. Mesmo que despropositadamente, "Funeral" nos dá apenas as partes contrárias de um mesmo assunto, deixando para nós a resolução destas oposições.

São colocadas duas idéias opostas para que a partir do debate entre elas se encontre uma nova idéia, uma síntese. Por todo este álbum o “Arcade Fire” nos mostra situações dialéticas: a vizinhança vista em pelo menos quatro canções invariavelmente nos remete a situações de solidão; em "Neighborhood #3 (Power Out)" e "Wake Up" a contraposição entre jovens e adultos é feita quase explicitamente; verdade e mentira se encontram em "Rebellion (Lies)"; e mesmo a contraposição de línguas diferentes pode ser vista nas faixas "Une Annee Sans Lumiere" e "Haiti", nas quais inglês e francês dividem a letra. Todavia, em momento algum a banda diz qual é a síntese encontrada, e este é o segredo do disco. A catarse da primeira audição dá espaço a outra mais forte justamente por encontramos nossas próprias sínteses. E mesmo aqueles que estranhem esta proposição poderão se emocionar, pois apenas os arranjos já valem o disco, e elevam o “Arcade Fire” ao posto de mais novo membro da linha de frente do novo rock.