domingo, fevereiro 20, 2005

Esta semana:

Cat Power - The Covers Record (2000)*



Somos influenciados todos os momentos de nossas vidas, em múltiplos sentidos. Não há como escapar, pois muito antes de nós já existiram outros, e mesmo que os tempos mudem constantemente, há sempre algo que fica e nos marca. Em se tratando de arte, então, a intensidade é ainda maior. Na verdade, pensar em música e não pensar em influência é uma tarefa, no mínimo, ingrata, pois não levará a lugar nenhum. Portanto, e sabendo disso, alguns artistas resolvem prestar homenagens aqueles que contribuíram para sua formação, e mesmo sendo tal coisa um clichê com 'c' maiúsculo, há quem consiga fazer disso algo interessante. São poucos, mas existem, mesmo que por detrás de um pseudônimo.

Chan Marshall, também conhecida como Cat Power, assim como tantos outros artistas, resolveu prestar uma homenagens aqueles que, de certa maneira, acabaram influenciando sua carreira. Não seria muito difícil adivinhar alguns nomes que entrariam na lista de influências, por isso não é este principal ponto de "The Covers Record", o quinto disco da cantora de Atlanta. A capacidade de Cat Power de se apropriar das canções é o que mais chama a atenção neste disco. A transformação promovida em "Satisfaction", dos Rolling Stones, por exemplo, é tão bem feita que, apesar de não lembrar em nada a versão original, é tão boa quanto aquela. Na verdade, acaba se tornando uma nova canção, e tal fato acaba distanciando todos aquelas narizes torcidos que surgem quando o assunto é música cover, principalmente de nomes como Bob Dylan, Velvet Underground ou mesmo Mick Jagger & Cia.

Com apenas um violão, pianos ocasionais e sua voz melancólica, Cat Power busca suas influências no gênero que é a base de sua música: o folk. Não sem querer, então, o violão é onipresente por todo o disco, assim como músicas de Michael Hurley - figura carimbada da famosa cena folk de Greenwich Village -, ou Moby Grape - banda californiana da década de 1960 que, muito embora estivesse fortemente vinculada ao psicodelismo, trazia influências do folk e blues. Há espaço para nomes mais conhecidos do grande público como os acima citados Dylan ou Velvet Underground de Lou Reed.

É claro, sendo ou não de nomes conhecidos, as canções, após passarem pelas mãos de Cat Power, se tornam dela. Por isso, a grande sacada do disco é ouví-lo não como um disco de covers, como propõe o título, mas como um disco da própria Chan. Canções como "Kingsport town" e "Paths of victory" perdem a voz anasalada de Dylan e ganham os contornos delicados da voz de Marshall, assim como a própria "Satisfaction", dos Stones ou "I found a reason", do Velvet Underground. De Michael Hurley, Cat Power gravou "Troubled waters" e "Swee dee dee", ambas do álbum "Armchair Boogie", lançado pelo cantor em 1970. Do quinteto Moby Grape foi escolhida "Naked if I want to", do disco lançado em 1967 intitulado apenas "Moby Grape", primeiro da banda. Nomes como Nina Simone e Phil Phillips & the Twilights, proeminentes na década de 1930, também aparecem neste trabalho, fechando o álbum.

Há um ponto curioso e um emocionante neste "The Covers Records". O ponto curioso é a música "In this hole". Apenas no piano, é, com certeza, umas das melhores faixas do álbum, entretanto, diferente do restante do disco, esta é uma música da própria Cat Power, que faz parte do disco "What Would the Community Think", lançado em 1996, e responsável pela primeira grande exposição da cantora e compositora. O ponto emocionante é a interpretação de "Red apples", música do Smog, pseudônimo de Bill Callahan, um dos nomes mais chamativos do mundo alternativo lo-fi da década de 1990. Conhecido por seu minimalismo e melancolia, não haveria melhor escolha de Cat Power para o repertório de covers. "Red apples" é apenas voz e piano para versos como "I slept in her black arms/For a century/She wanted nothing in return"

"The Covers Record" é, em poucas palavras, a homenagem de Cat Power a todos aqueles que de alguma maneira a influenciaram. Até Chan Marshall recebe sua homenagem, afinal, é uma das influências mais importantes para Cat Power, sem dúvida. Cada canção deste "Covers records" é uma homenagem simples, suave e melancólica, mas, antes de tudo, original, pois não é para qualquer um se apropriar de clássicos com tamanha personalidade. É para quem pode.

*Resenha publicada no site Dying Days