domingo, março 27, 2005

Esta semana:

Pata de Elefante - Pata de Elefante (2004)*



A simplicidade pode surpreender. Sei que, em se tratando de música, tal afirmativa pode levantar os cabelos de muitos fãs do rock progressivo, assim como tirar aplausos de punks, mas é verdade. E neste primeiro trabalho da banda Pata de Elefante, a simplicidade é surpreendente e gratificante. Nascida em Porto Alegre no ano de 2002, a banda formada por Gabriel Guedes (guitarra e baixo), Gustavo "Prego" Telles (bateria) e Daniel Mossmann (guitarra e baixo) tem como principal característica a versatilidade. E esta, originada por uma necessidade, é a responsável pela primeira surpresa do disco: num só trabalho temos, pelo menos, duas bandas diferentes, com trejeitos marcantes e bem delimitados. E acredite: a idéia é simples.

Muito se espera dos músicos de uma banda que se propõe a ser instrumental. Assim, a dedicação de cada integrante a seu instrumento é levada - em alguns casos - a níveis obsessivos. Entretanto, com o Pata de Elefante, a história foi um pouco diferente. Quando formada, a banda contava com dois guitarristas, mas nenhum baixista. A necessidade deste instrumento levou tanto Gabriel Guedes quanto Daniel Mossmann a repartirem suas atenções entre as guitarras e contra-baixo. E aqui se esconde um dos maiores - e melhores - segredos do Pata de Elefante. Os dois músicos se revezam entre guitarras e baixos durante as quinze faixas do disco, criando, cada um a sua maneira, atmosferas diferentes entre si. A grosso modo, as guitarras mais introspectivas ficam a cargo de Daniel Mossmann, enquanto as "agitadas" são de responsabilidade de Gabriel Guedes.

Segunda surpresa. Há muitas pessoas que simplesmente não gostam de música instrumental. (Mais cabelos em pé, certo?) A falta de voz é capaz de afastar muita gente de boas bandas, e com certeza este deve ser um mal que aflige o Pata de Elefante. Todavia, é preciso atenção para perceber que, digamos, falta alguma coisa nas músicas da banda gaúcha. O power trio explora bem todas as canções sem torná-las chatas. Ou seja, longe de esnobismos e virtuosismos desnecessários, os arranjos são bem feitos, e os músicos mostram suas qualidades nos detalhes de cada faixa. E, além dos três membros, a banda contou com as participações de King Jim (sax), Leonardo Boff (teclado), Luciano Leães (piano elétrico), Lúcio Vassarath (cítara), Alexandre Loureiro e Vicente Guedes (maracás), que preenchem as canções na medida certa. A voz, assim, se faz desnecessária, e os quase sessenta minutos de música passam de uma só vez.

As influências da banda também colaboram muito para que o trabalho seja facilmente digerido. Os anos sessenta e setenta são a principal fonte na qual o Pata de Elefante bebe sua água. Então, não por acaso encontramos o Ventures na faixa "Gato que Late", Hendrix em "Não esqueça o remédio" e Funkadelic em "Pata de Elefante". E essa é a terceira surpresa. Cada uma destas influências é esmiuçada e transformada ao longo do disco, de maneira que é mantida a unidade do trabalho, mesmo com a diversificação de estilos - não apenas musicais, mas dos próprios músicos. Por isso, a transição de uma levada funk ("Funkdelic") para uma surf-music ("Não fique triste") soa natural, e a oposição de estilos não causa estranheza ao ouvinte.

Isto posto, o reconhecimento em festivais como Bananada (Goiânia) e II Super Noites Senhor F (Brasília) é apenas o começo para o Pata de Elefante. Tanto a versatilidade como a qualidade da banda são os ingredientes não apenas para um bom disco, mas para um bom disco instrumental que não cai (como dizem) na mesmice chata de músicas sem fim. As influências são as melhores possíveis, e sua utilização é, em certa medida, equilibrada. A simplicidade que permeia o trabalho do Pata de Elefante dá originalidade ao trio, e esta é a maior surpresa deste disco, pois não são poucas as bandas hoje que andam pelos mesmos anos sessenta e setenta e parecem perdidas no tempo.

* Resenha publicada no site Poppy Corn

domingo, março 20, 2005

Esta semana:

Lou Barlow - Emoh (2005)



Desde meados da década de oitenta, quando começou sua carreira, Lou Barlow é um compositor compulsivo. Mesmo quando integrante do Dinossar Jr. - no qual o principal compositor era J Mascis -, Lou compunha. E por não haver espaço para dois compositores, a maioria das canções de Lou eram registradas pelo mesmo de maneira simples, voz e violão num gravador de quatro canais, sendo que parte destas fitas eram enviadas para Eric Gaffney, incumbido de colocar as baterias (não por acaso, então, ele se tornaria o futuro baterista do Sebadoh, ficando na banda de 1989 a 1993). E assim nasceu o Sebadoh, que, ao lado do Pavement, foi uma das principais bandas independentes da década de noventa. E este foi apenas o início.

A dicotomia Dinossar Jr/Sebadoh chega ao fim em 1988, e, em 1990, sai "Freed Weed", uma espécie de coletânea das demos do Sebadoh com quarenta (!) faixas. A partir deste momento começa, definitivamente, a carreia do Sebadoh, que, em 1993, com o lançamento de "Bubble & Scrape", coloca a banda entre nomes como o próprio Pavement, Guide by Voices e Yo la Tengo. Entretanto, isto não foi o suficiente para conter Lou Barlow. Ele queria mais. No mesmo ano cria o "Sentridoh", um projeto solo no qual mantinha a linha 'lo-fi'/indie rock do "Sebadoh", e no ano seguinte, com John Davies, forma o "Folk Implosion".

Em 1995, além do sucesso que alcançado pelo "Folk Implosion" graças a música "Natural One" - que fez parte do filme "Kids" -, ele lança com o "Sentridoh" dois álbuns: "Losing Losers" e "Lou Barlow and His Acoustic Sentridoh". É claro que, com o tempo, mudanças ocorreriam, afinal, Lou precisaria de um dia com no mínimo 48 horas para manter todos esses projetos no mesmo nível. Assim sendo, desde 1999 o Sebadoh não dá as caras, mas também não anuncia seu fim; em 2002 saiu "Free Sentridoh Songs from Loobiecore"; John Davies deixou o "Folk Implosion", e Lou rebatizou a banda como "The New Folk Implosion", lançando um disco homônimo em 2003. E para quem pensou estar no fim o gás de Lou Barlow, em janeiro de 2005 chegou "Emoh", primeiro disco no qual o artista assina com o próprio nome.

Primeiro ponto importante deste disco: o 'lo-fi' que consagrou não apenas o Sebadoh, mas também o Sentridoh, foi deixado para trás. Isto é perceptível logo na primeira faixa - "Holding Back the Year" -, na qual a voz de Lou está em primeiro plano, clara e cristalina. A parte instrumental também é bem cuidada, e os violões que permeiam todas as canções são acompanhados por ruídos e tratamentos de estúdios impensados no Sentridoh, por exemplo. Tudo isso é confirmado nos créditos do álbum, pois oito canções foram cuidadosamente gravadas sob a supervisão de Mark Nevers e Wally Gagel, e outras seis, mesmo gravadas na casa do próprio Lou, ficaram longe dos quatro canais. Muito embora o clima intimista que transpassa a carreira do músico permaneça, ele está polido e bem trabalhado. Não apenas "Holding back the year", mas também "If I Could" e "Confused" são bons exemplos deste fato.

A simplicidade das letras é outro ponto sempre presente nas composições de Lou. Entretanto, neste disco, em decorrência da produção limpa e bem feita, elas (as letras) ganham força por ficarem em primeiro plano como a voz, e versos como "away, alone, look out/The birds, like me, want you now", de "Caterpillar Girl", emocionam pela simplicidade do como tal declaração é feita. Num disco intimista e subjetivo como este é difícil encontrar canções que se destaquem, pois cada uma delas, mesmo diferentes entre si, se complementam, e resultam no artista como um todo. Mas caso precise escolher quais ouvir, "Lengedary", a singela "Puzzle" e a citada "Caterpillar Girl" dão uma amostra do que escrevi até aqui.

Por fim, o que mais chama a atenção em "Emoh" é que Lou Barlow parece não se esgotar. Compositor incansável, suas canções tendem a explorar o que há de simples na vida. E mesmo que ande na linha entre a singeleza e a pieguice, seus passos firmes o impedem de cometer erros que vemos em discos e mais discos lançados mundo afora. Dizer que "Emoh" é mais do mesmo seria mentira, pois embora encontremos o Lou de sempre, "Emoh" mostra mais. E por isso é de se esperar algo de um artista como Lou Barlow: ele atende as expectativas, seja quantas for.

domingo, março 13, 2005

Esta semana:

Retrofoguetes - Ativar Retrofoguetes (2004)



Ficção científica. Personagens de Isaac Asimov e o espacial circo de Moscou. Robôs gigantes e invações alienígenas. Não haveria outra maneira de colocar todos estes ingredientes em um só disco se não através da surf-music. Com um toque de rockabilly, é claro. E psychobilly também. Esqueci do Flash Gordon e de uma certa influência mexicana. O negócio é escutar e procurar todas as possibilidades e influências contidas neste "Ativar Retrofoguetes", primeiro disco da banda de surf-music baiana "Retrofoguetes".

A história do trio começou quando o vocalista do "The Dead Billies", Moskabilly, resolveu seguir carreira solo. Até aqui a banda acumulava dois discos na bagagem ("Don't Mess With... The Dead Billies" e "Heartfelt Sessions") e participações em festivais como Abril pro Rock e Goiânia Noise. Após a baixa, no início de 2002 os remanescentes Joe (baixo), Morotó (guitarra) e Rex (bateria) optaram por continuar tocando, e criaram a banda instrumental "Retrofoguetes". Entretanto, antes da formação se fechar, o baixista Joe foi tocar com a Pitty, deixando lugar para CH, o último elemento deste power trio. Pendendo para a surf-music, mas mantendo um pé rockabilly e psychobilly da antiga banda, o "Retrofoguetes" ainda trouxe do "The Dead Billies" toda a temática ficcional e um forte apelo visual para seus trabalhos.

Lançado em 2002, "Protótipo de Demonstração nº1" foi o primeiro EP do "Retrofoguetes". Visto quase como uma trilha sonora para um filme de ficção científica, "Protótipo..." possui quatro canções que entraram neste "Ativar Retrofoguetes", e dá aos antigos fãs do "Dead Billies" uma amostra de qual seria o futuro da nova banda. A produção, tanto do EP quanto do disco foi assinada por Nancy Viegas e andré t., e as influências da surf-music da década de 60 (entende-se Beach Boys, Ventures e Dick Dale) vistas em "Protótipo de Demonstração nº1" são aprofundadas nas dezenove faixas que compõe este primeiro disco da banda.

Nos pouco mais de quarenta minutos de álbum, a banda passeia não apenas pelos filmes de ficção científica ou seriados japoneses (origem do nome da banda e do disco), mas também por temas mexicanos ("Roswell" e "Night of Excess"), polca ("O Início do Espetáculo") e eletrônicos anos 80 ("Warp"). A produção deixa sua marca no som através de pequenos ruídos e barulhos que se encaixam ao longo das músicas, criando ambientes e detalhes que não apenas amarram o disco, mas que muito contribuem para a identidade visual, uma das principais características da banda. Isto é facilmente percebido nas faixas "O Carrossel do Inferno" e "Monga, Meu Amor".

Mas nada adiantaria se o trio não segurasse o tranco. O entrosamento entre o baixo e a bateria fazem o caminho de efeitos e solos e experimentalismos da guitarra muito mais fácil. Ora distorcido ora quase imperceptível, o baixo de CH é quem dita o andamento das músicas, ao lado da bateria certeira de Rex. As guitarras de Morotó Slim são um caso à parte, como em todas as bandas de surf-music que se prezem. A melhor maneira de entender o funcionamento deste trio é a faixa "A Fantástica Fuga de Magnólia Pussycat", composta à partir de uma perseguição no quintal da casa de Morotó para captura de sua gata, e na qual a banda mostra sua capacidade musical sem medir forças.

Enumerar aqui todas as influências e citações encontradas ao longo de "Ativar Retrofoguetes" seria extremamente complicado e, com certeza, chato de ser lido. Por isso, guardo as surpresas a quem se arriscar a entrar neste filme (sci-fi, é claro) estrelado pelo "Retrofoguetes". Ou seria uma história em quadrinho? Ou um livro de ficção científica? Ou um seriado Japonês? Fato é, não haverá arrependimento algum. No mínimo, alguns bons momentos de diversão, como toda boa surf-music pode proporcionar. Ou seria rockabilly? Ou polca? Ou psychobilly? Escute o disco, e descubra você mesmo.

domingo, março 06, 2005

Esta semana:

Charlie Brown Jr. - Tamo aí na atividade (2004)



Que o Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr., já se meteu em algumas encrencas não é segredo para ninguém. A última delas foi em um aeroporto no Rio de janeiro, quando ele discutiu e trocou algumas pancadas com Marcelo Camelo, guitarrista e vocalista do Los Hermanos. A causa da pancadaria foi, segundo consta, uma crítica feita por Camelo quanto ao fato de Chorão & Cia terem feito um comercial para a Coca-Cola. E este fato, de certa maneira, expõe uma contradição no que a banda diz em seus discos e o que ela faz com sua carreira.

Durante o ano de 2004 foi vinculado um comercial da Coca-Cola no qual o Charlie Brown Jr, ao melhor estilo Jota Quest, demonstrava suas qualidades de garotos propaganda. No tal comercial a banda distribuía garrafas para as pessoas da platéia que não possuíam uma, e ao final todos estavam igualmente felizes com sua Coca-Cola na mão. Fato é que, após algum tempo, um grande debate sobre postura do Charlie Brown Jr. tomou conta do mundo da música, acirrando o embate entre os fãs e não fãs da banda. Se por um lado a banda cantava a plenos pulmões "Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério/O jovem no Brasil nunca é levado a sério" no refrão da música "Não é sério", por outro, estava na própria televisão, no mínimo, não levando o jovem à sério.

É claro, não cabe a ninguém julgar os meios pelos quais as pessoas ganham seu dinheiro, por isso nenhum tipo de crítica deveria ser feita a banda sem antes olharmos para o próprio umbigo. Entretanto, a coisa não funciona assim. O lado positivo é que, no ciclo normal da mídia, depois de render capa de jornais e revistas, o assunto foi substituído por outro, e o Charlie Brown Jr. lançou, como de costume, mais alguns discos. Mas somente após o lançamento deste "Tamo aí na atividade" percebemos que nem todos superaram aquele fato.

Mesmo rebatendo todas as críticas dirigidas a ele, Chorão mostra ter sido assombrado durante noites e mais noites de sono, e acabou sendo vítima de uma crise de personalidade, amplamente encontrada neste novo trabalho da banda. Vale dizer: este não é o principal problema deste sétimo disco do Charlie Brown. Posterior a um improvável acústico MTV, "Tamo aí na atividade" acaba tropeçando nas mesmas pedras que encontram pelo caminho bandas com longa carreira ou muitos discos lançados: a repetição.

A arte de se reinventar é para poucos. Portanto, por mais que o Charlie Brown Jr. cada vez mais se pareça uma cópia de si mesmo, não podemos condená-los por este pecado. A culpa da falta de criatividade é amenizada devido ao fato de as gravadoras exigirem não apenas um disco por ano, mas um disco de sucesso por ano. Então, aquela velha máxima que diz que 'em time que está ganhando não se mexe' acaba entrando em campo, ou melhor, em estúdio, restando a nós ouvintes a sensação de já termos ouvido aquela música em algum lugar. Não por acaso, músicas como "Eu Vim De Santos, Sou Charlie Brown", "Longe de você" e "Lixo e o luxo" deste novo disco entrariam facilmente no acústico lançado ano passado, assim como "Champanhe e água benta" ou "Todos iguais" estariam em qualquer outro disco do grupo de Santos.

Ou seja, musicalmente o Charlie Brown Jr. pode até agradar, mas não surpreender. Tudo o que a banda já produziu até hoje está neste trabalho, sem muita experimentação e/ou novidade. Nas letras percebemos a tal crise de Chorão, dada a grande - e até chata - repetição de adjetivos autodepreciativos, afirmando a condição de malandro do vocalista. A balada "Vivendo nesse absurdo" pode ser encarada como uma exceção em meio as quinze músicas que compõe o álbum - sendo que destas, quatro são vinhetas, artifícios bem utilizados pela banda em seu disco de estréia "Transpiração Contínua Prolongada", de 1997. Fora ela, ao longo deste trabalho, mesmo nas vinhetas, palavras como "Sk8" - abreviação para Skate -, "malokero" (sic), "pobre", "vagabundo", "quebrada" e algum tipo de ataque contra os "playboys" são usadas a exaustão. Até o Spike Lee acaba entrando nesta.

Quer dizer, a necessidade de se impor como pobre e fudido de Chorão, ao que parece, está alcançado patamares preocupantes. Quase uma obsessão, na verdade. Faixas como "Tamo aí na atividade", "O errado que deu certo" e "Malokero Sk8 Board" são provas cabais apenas por seus títulos. Talvez para se desvincular da imagem deixada pela tal propaganda, talvez um mero desabafo: não há como saber o que está se passando pela cabeça do vocalista do Charlie Brown Jr. Como não sou psicólogo ou coisa do gênero, apenas torço para que Chorão consiga se resolver consigo mesmo. E para que a banda consiga encontrar um novo caminho e fugir da mesmice que começa a atrapalhar, é claro.